GUILHERME SABINO NASCIMENTO SIDRÔNIO DE SANTANA
(Coautor)[1]
RESUMO: O objetivo do artigo é analisar o controle de fiscalização, verificação e correção exercido pelos Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo, no Estado Constitucional de Direito, sobre os atos produzidos pela Administração Pública. O artigo analisa também os instrumentos que o cidadão pode utilizar para participar da fiscalização do Estado. Trata-se de uma pesquisa descritiva, cuja metodologia empregada consiste em pesquisa bibliográfica, principalmente nas áreas jurídicas de Direito Administrativo e Direito Constitucional, utilizando-se também de análise jurisprudencial. Ao final, conclui-se que o Controle exercido pela Administração Pública decorre do Princípio da Separação dos Poderes, conhecido como freios e contrapesos. Não obstante, mecanismos de controle solidificam os Princípios Constitucionais que regem a própria Administração Pública, tais como a Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência. Dessa forma, em um Estado de Direito, a existência de mecanismos para fiscalizar os atos praticados pelo Poder Público é imprescindível, tendo em vista que isso implica em atribuir mais transparência nas condutas dos agentes do Estado, ente que atua como gestor da coisa alheia.
Palavras-Chave: Controle. Administração Pública. Estado de Direito.
ABSTRACT: The objective of the article is to analyze the control of inspection, verification and correction exercised by the Legislative, Judiciary and Executive Powers, in the Constitutional State of Law, over the acts produced by the Public Administration. The article also analyzes the instruments that the citizen can use to participate in the inspection of the State. It is a descriptive research, whose methodology used consists of bibliographic research, mainly in the legal areas of Administrative Law and Constitutional Law, also using jurisprudential analysis. In the end, it is concluded that the Control exercised by the Public Administration stems from the principle of the separation of Powers, known as checks and balances. Nevertheless, control mechanisms solidify the Constitutional Principles that govern Public Administration itself, such as Legality, Impersonality, Morality, Advertising and Efficiency. Thus, in a rule of law, the existence of mechanisms to inspect the acts practiced by the Public Power is essential, given that this implies attributing more transparency in the conduct of State agents, a body that acts as the manager of someone else.
Keywords: Control. Public administration. Rule of law.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho pretende analisar o controle feito pelo Poder Público sobre os seus atos, mais precisamente a fiscalização, verificação e correção exercida pelos Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo, no Estado Constitucional de Direito, sobre os atos produzidos pela Administração Pública. O estudo se baseia em pesquisa bibliográfica, utilizando, como fontes, livros e jurisprudência. Tem-se como problematização se o controle exercido pela Administração Pública decorre da Separação de Poderes.
Como hipótese a ser testada, tem-se que o Controle exercido pela Administração Pública é expressão do Princípio da Separação dos Poderes e também fruto dos princípios que regem a Administração Pública, previstos na Constituição Federal, como a Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência, razão pela qual possui papel de essencial importância no Estado Constitucional de Direito.
Inicialmente, no primeiro tópico, analisa-se o conceito de “Controle da Administração Pública”, características e natureza jurídica. Temos que o Controle da Administração Pública se caracteriza como o poder de verificação e correção exercido pelos Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo sobre os atos produzidos pela Administração, buscando a observância das normas e princípios constitucionais.
Desenvolvendo o tema, o segundo tópico trata das diversas formas de classificação do Controle da Administração Pública, bem como dos instrumentos que o cidadão pode utilizar para participar da fiscalização. Por fim, no terceiro tópico, analisa-se a relação entre o Controle exercido pela Administração Pública no Estado Constitucional de Direito e a Separação de Poderes, ponto essencial do presente estudo.
1. CONCEITO DE CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
O Controle da Administração Pública se caracteriza como o poder de verificação e correção exercido pelos Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo sobre os atos produzidos pela Administração, visando aferir a observância das normas e princípios de regência. Segundo Carvalho (2019, p. 389), não existe um diploma legal específico que discipline o controle da atuação administrativa. A matéria tem origem na Constituição Federal e é regulamentada por diversas leis infraconstitucionais que visam a garantir que o Estado não atuará livremente, diante do Ordenamento Jurídico posto.
Os juristas Paulo e Alexandrino (2008, p. 627) sinalizam que o assunto “Controle da Administração Pública” não é de sistematização fácil, pois não existe um diploma único que o discipline, nem a Constituição o tratou em título ou capítulo específicos.
Assim, uma vez que o Estado atua enquanto gestor da coisa alheia, sem dela poder dispor, deve pautar sua conduta pela transparência, a fim de que o efetivo titular do interesse público (o povo) possa analisar se o exercício das atividades estatais supre as necessidades da coletividade (CARVALHO, 2019, p. 389). Dessa maneira, a tônica do Direito Administrativo moderno é a atuação direcionada para a satisfação das necessidades coletivas executadas mediante controle do cidadão e da própria Administração Pública. A doutrinadora Di Pietro (2020, p. 1659) conceitua Controle Administrativo da seguinte forma:
Pode-se definir o controle da Administração Pública como o poder de fiscalização e correção que sobre ela exercem os órgãos dos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, com o objetivo de garantir a conformidade de sua atuação com os princípios que lhe são impostos pelo ordenamento jurídico.
No mesmo sentido, para Carvalho Filho (2018, p. 1084), controle da Administração Pública “é o conjunto de mecanismos jurídicos e administrativos por meio dos quais se exerce o poder de fiscalização e de revisão da atividade administrativa em qualquer das esferas de Poder”. Quando se cita um conjunto de mecanismos “jurídicos e administrativos”, se deseja realçar o fato de que há formas jurídicas de controle, como é o caso do controle judicial dos atos da Administração, e formas administrativas, como é, por exemplo, o pedido de certa comunidade à Prefeitura para o asfaltamento de vias públicas de trânsito.
Além disso, fiscalização e revisão são os principais elementos do controle. A fiscalização consiste no poder de verificação que se faz sobre a atividade dos órgãos e dos agentes administrativos, bem como em relação à finalidade pública que deve servir de objetivo para a Administração. Ademais, a revisão é o poder de corrigir as condutas administrativas, seja porque tenham vulnerado normas legais, seja porque haja necessidade de alterar alguma linha das políticas administrativas para melhor se atender ao interesse coletivo (CARVALHO FILHO, 2018, p. 1084).
A abrangência do controle é ampla e alcança toda a atividade administrativa, ou seja, todos os Poderes da República. É certo que em todos eles há serviços administrativos. Dito isso, tem-se como exemplo a prática de atos administrativos no Executivo, no Legislativo e no Judiciário, pois sobre todos eles serão possíveis exercer o controle. Igual raciocínio se aplica em relação à gestão dos recursos públicos: como essa gestão se dá em todos os Poderes, é em todos eles que se exercerá o controle dessa gestão (CARVALHO FILHO, 2018, p. 1084).
2. CLASSIFICAÇÕES DO CONTROLE EXERCIDO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Segundo Carvalho (2019, p. 391), conforme a natureza do órgão controlador, classifica-se o Controle em Legislativo, Administrativo ou Judicial. O Controle Legislativo é aquele exercido pelo Poder Legislativo diretamente (Controle Parlamentar direto), ou mediante auxílio do Tribunal de Contas (controle financeiro).
A seu turno, o Controle Judicial é o realizado pelo Poder Judiciário, mediante provocação de qualquer interessado que esteja sofrendo lesão ou ameaça de lesão em virtude de conduta ou omissão administrativa que o atinja direta ou indiretamente. Esta mesma definição é utilizada por Bandeira de Mello (2015, p. 971):
No Brasil, ao contrário do que ocorre em inúmeros países europeus, vigora o sistema de jurisdição única, de sorte que assiste exclusivamente ao Poder Judiciário decidir, com força de definitividade, toda e qualquer contenda sobre a adequada aplicação do Direito a um caso concreto, sejam quais forem os litigantes ou a índole da relação jurídica controvertida. Assim, o Poder Judiciário, a instâncias da parte interessada, controla, in concreto, a legitimidade dos comportamentos da Administração Pública, anulando suas condutas ilegítimas, compelindo-a àquelas que seriam obrigatórias e condenando- a a indenizar os lesados, quando for o caso.
Nos casos de Controle realizado pelo Poder Judiciário, será exercido somente no que tange aos aspectos de legalidade dos atos administrativos, ainda que se trate de ato praticado no exercício da competência discricionária, haja vista a impossibilidade de substituição do mérito administrativo pela opção do julgador.
Por fim, o Controle Administrativo (interno), sobre a Administração Direta, decorre do poder de autotutela conferido à Administração Pública que deve efetivar a fiscalização e revisão dos seus atos, mediante provocação ou de ofício. Já o controle sobre as entidades da Administração Indireta chama-se tutela, e é um controle externo que só pode ser exercido nos limites estabelecidos em lei, sob pena de ofender a autonomia que lhes é assegurada pela lei que as instituiu.
Com efeito, conforme o momento a ser exercido, existe o controle prévio (a priori), o concomitante (sucessivo) e o corretivo (a posteriori). Para os juristas Paulo e Alexandrino (2008, p. 632), diz-se prévio o controle quando exercido antes do início da prática ou conclusão do ato administrativo; concomitante o exercido durante a realização do ato e subsequente ou corretivo o controle realizado após a conclusão do ato. Os autores citam como exemplo de controle prévio a concessão de uma medida liminar em mandado de segurança; como exemplo de controle concomitante o acompanhamento de um concurso público pela corregedoria competente e, por fim, como exemplo de controle corretivo a homologação de um procedimento licitatório.
Conforme a amplitude, o Controle dos Atos Administrativos pode ser classificado como Hierárquico ou Finalístico. O Controle Hierárquico resulta do escalonamento vertical dos órgãos da Administração, não sendo necessária previsão legal, pois que é exercida de forma ampla, sem restrições, envolvendo o controle de legalidade, de conveniência e de oportunidade. Carvalho (2019, p. 393) denomina tal controle de “controle por subordinação”, e o define como o realizado por autoridade hierarquicamente superior a quem praticou o ato, ou seja, entre órgãos e agentes da mesma pessoa jurídica da Administração Pública.
O Controle Finalístico é exercido pela Administração Direta sobre os atos da Administração Indireta, sendo um controle teleológico em que se aferirá a adequação da entidade controlada aos objetivos traçados pelo Governo. Importante ressaltar que o Controle Hierárquico é exercido dentro de uma única pessoa, enquanto que o Finalístico é exercido por uma pessoa sobre outra, e, por isso, deve estar dentro dos limites legais. Para Carvalho (2019, p. 393), esse controle se trata de “vinculação”, e decorre do poder exercido pela Administração Direta sobre as entidades descentralizadas, não se caracterizando como subordinação hierárquica, mas tão somente como uma espécie de supervisão, ou supervisão ministerial.
2.1 CONTROLE EXERCIDO PELA PRÓPRIA ADMINISTRAÇÃO
A Administração Pública, em face do seu poder de autotutela, pode exercer um Controle Interno de legitimidade e de mérito, invalidando os seus atos sob o aspecto da oportunidade e da conveniência (revogação), ou sob o aspecto da ilegalidade (anulação). Segundo a Súmula nº 473 do STF, quando eivados de vícios que tornem os atos ilegais, pode a Administração anular seus próprios atos, e revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade. Ensina Moreira Neto (2014, p. 334):
O autocontrole, o exercido pela Administração sobre os próprios atos – sejam unilaterais, bi ou multilaterais –, é aquele que opera com o máximo de abrangência sobre todos seus aspectos, transcendendo o exame da juridicidade estrita para compreender, também, o do interesse público, ou seja, também exerce um controle de mérito, considerando, abrangente e indistintamente, quaisquer aspectos de legalidade, de legitimidade e de licitude de seus atos.
Assim, o poder de autotutela encontra fundamento nos princípios a que se submete a Administração Pública, em especial o da Legalidade e o da Predominância do Interesse Público. Podemos citar, como exemplos, dois mecanismos de controle: a fiscalização hierárquica e os recursos administrativos. A fiscalização hierárquica é exercida, no âmbito de uma mesma pessoa jurídica administrativa, entre seus órgãos e agentes, com o intuito de ordenar e coordenar atividades. É importante ressaltar que a organização hierárquica pressupõe subordinação, concedendo aos órgãos de maior hierarquia a possibilidade de rever as condutas dos que são inferiores (CARVALHO, 2019, p. 397).
Quanto aos recursos administrativos, são instrumentos dos quais os administrados podem utilizar para provocar o reexame do ato pela Administração Pública. São mecanismos de Controle Interno, por meio do qual a Administração é provocada a fiscalizar seus próprios atos, visando ao atendimento do interesse público e a preservação da legalidade (CARVALHO, 2019, p. 399).
2.2 CONTROLE LEGISLATIVO
O Controle Legislativo (ou Parlamentar) é exercido sobre atos do Executivo, das entidades da Administração Indireta e o do Poder Judiciário (quando executa função administrativa) pelos órgãos legislativos (Senado, Câmara dos Deputados etc) ou por Comissões Parlamentares. O Controle Parlamentar direto é exercido pelas Casas Legislativas e podem dizer respeito a aspectos financeiros e políticos dos atos administrativos. Esse controle se divide em político, financeiro e orçamentário, e de constitucionalidade pelos Tribunais de Contas.
No controle político, é conferido exclusivamente ao Congresso Nacional fiscalizar e controlar diretamente os atos do Poder Executivo, abrangendo Administração Direta e Indireta. É conferido o controle político de mérito da ausência do Chefe do Poder Executivo Federal do País; poder convocatório para exigir de autoridades ligadas à Presidência da República que prestem depoimentos sobre assuntos previamente determinados; poder de sustação dos atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa; poder de concessão e de renovação de concessão de emissoras de rádio e televisão; poder de sustar os contratos administrativos ilegais.
A fiscalização financeira e orçamentária é conferida ao Congresso Nacional para julgar anualmente as contas da Presidência da República, sendo desempenhada em face da origem pública do bem administrado e do dinheiro gerido que traz.
Sobre a possibilidade de o Tribunal de Contas poder declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato administrativo normativo, há controvérsias. É certo, entretanto, que a Súmula nº 347 do STF diz que é possível a apreciação da constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público pelo Tribunal de Contas no exercício de suas atribuições. Tal controle se dará por via difusa, sendo vedado o controle concentrado.
Segundo Carvalho (2019, p. 404), no Brasil há a previsão de Tribunal de Contas no âmbito estadual e federal, assim como a possibilidade de criação de Tribunal de Contas dos Municípios, órgão estadual. No Município de São Paulo e Rio de Janeiro, há a atuação do Tribunal de Contas do Município, órgão municipal. Isso decorre do fato de que os Tribunais de Contas Municipais existentes antes da promulgação da Constituição Federal de 1988 foram mantidos, sendo vedada a criação de novos Tribunais de Contas no âmbito do Poder Público Municipal, após a edição da Carta Magna Vigente.
2.3 O CONTROLE JUDICIAL E OS INSTRUMENTOS UTILIZADOS PELO CIDADÃO PARA FISCALIZAR O ESTADO
Este controle é o poder de fiscalização que o Judiciário exerce sobre atos administrativos dos Poderes Executivo, Legislativo e dele próprio. A justificativa de tal abrangência é de que não se pode afastar do Poder Judiciário a apreciação a lesão ou ameaça a direito.
O Controle Judicial das atividades administrativas somente pode ser realizado mediante provocação do interessado, podendo ser prévio ou posterior, somente no que tange aos aspectos de legalidade, não sendo admitido que o Poder Judiciário intervenha nos aspectos de oportunidade e conveniência (mérito) que justificaram a prática dos atos administrativos (CARVALHO, 2019, p. 407).
A atuação judicial depende de provocação de particular interessado no sentido de requerer a manifestação desse Poder. O Poder Judiciário poderá anular o ato administrativo viciado ou impedir a prática de ato a ser realizado, determinando a atuação do ente público em determinadas situações nas quais a omissão configura ilicitude. Atualmente, existem vários instrumentos para efetivação do controle jurisdicional, como: a) Mandado de Segurança; b) Habeas Data c) Mandado de Injunção; d) Ação Popular; e) Ação Civil Pública f) Ação de Improbidade e g) ações ordinárias que visam a anulação de atos administrativos ou a imposição de obrigação da fazer (CARVALHO, 2019, p. 409).
A Ordem Constitucional brasileira assegura, de forma expressa, que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (CF/88, art. 5º, XXXV). Trata-se da proteção à tutela jurisdicional efetiva. São garantias especiais constitucionais que materializam o direito ao acesso ao Poder Judiciário. Podemos citar alguns instrumentos, como: o Habeas Corpus, o Mandado de Segurança, o Habeas Data, o Mandado de Injunção, e a Ação Popular, que são verdadeiros remédios constitucionais para a proteção do cidadão (MENDES e BRANCO, 2017, p. 430). Também podemos citar a Ação Civil Pública, a Ação de Improbidade Administrativa e ações ordinárias que visem a anulação de atos administrativos ou a imposição de obrigação de fazer (CARVALHO, 2019, p. 409).
3. A RELAÇÃO ENTRE O CONTROLE EXERCIDO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO ESTADO CONSTITUCIONAL DE DIREITO E A SEPARAÇÃO DE PODERES
O que se convencionou chamar de “Separação dos Poderes” é mais propriamente denominado “Separação das Funções Estatais”. Isso porque o Estado é uno, tendo um único poder indivisível. As funções exercidas pelo Estado é que são distintas, exercidas por órgãos distintos (MARTINS, 2020, p. 1196). Trata-se de um modelo político no qual o Estado tem suas funções divididas e delineadas em órgãos diferentes e independentes, cada qual com distintas áreas de responsabilidade e, em regra, indelegáveis. Embora independentes, há possibilidade de inter-relacionamento entre eles, o que a doutrina convencionou chamar de freios e contrapesos - checks and balances - (MARTINS, 2020, p. 1196).
A “Separação dos Poderes” tem a função de evitar a concentração de poder e, dessa forma, o arbítrio e a tirania. No Brasil foi dada ao tema importância devida, na medida em que a Separação dos Poderes é uma cláusula pétrea (art. 60, §4º, III, CF). A Jurisprudência do STF explica o que segue a respeito da “Separação dos Poderes”:
A essência do postulado da divisão funcional do poder, além de derivar da necessidade de conter os excessos dos órgãos que compõem o aparelho de Estado, representa o princípio conservador das liberdades do cidadão e constitui o meio mais adequado para tornar efetivos e reais os direitos e garantias proclamados pela Constituição. Esse princípio, que tem assento no art. 2.º da Carta Política, não pode constituir e nem qualificar-se como um inaceitável manto protetor de comportamentos abusivos e arbitrários, por parte de qualquer agente do Poder Público ou de qualquer instituição estatal.(...).
O sistema constitucional brasileiro, ao consagrar o princípio da limitação de poderes, teve por objetivo instituir modelo destinado a impedir a formação de instâncias hegemônicas de poder no âmbito do
Estado, em ordem a neutralizar, no plano político-jurídico, a possibilidade de dominação institucional de qualquer dos Poderes da República sobre os demais órgãos da soberania nacional” (MS 23.452, Rel. Min. Celso de Mello, j. 16.09.1999, Plenário, DJ de 12.05.2000)
Dessa maneira, segundo essa decisão do STF, o Sistema de Freios e Contrapesos, que decorre da Separação dos Poderes, consiste na interferência permitida pela própria Constituição de um Poder sobre o outro. Assim, trata-se uma interferência, de uma fiscalização recíproca entre os Poderes, de modo a que um não se sobreponha aos demais. É possível que a hipótese de interferência de um Poder sobre o outro esteja prevista na legislação infraconstitucional ou decorra do próprio modelo constitucional (MARTINS, 2020, p. 1218). Sobre o sistema de freios e contrapesos, Lenza (2020, p. 376) corrobora da mesma opinião:
Seu objetivo fundamental é preservar a liberdade individual, combatendo a concentração de poder, isto é, a tendência ‘absolutista’ de exercício do poder político pela mesma pessoa ou grupo de pessoas. A distribuição do poder entre órgãos estatais dotados de independência é tida pelos partidários do liberalismo político como garantia de equilíbrio político que evita ou, pelo menos, minimiza os riscos de abuso de poder. O Estado que estabelece a separação dos poderes evita o despotismo e assume feições liberais. Do ponto de vista teórico, isso significa que na base da separação dos poderes encontra-se a tese da existência de nexo causal entre a divisão do poder e a liberdade individual. A separação dos poderes persegue esse objetivo de duas maneiras. Primeiro, impondo a colaboração e o consenso de várias autoridades estatais na tomada de decisões. Segundo, estabelecendo mecanismos de fiscalização e responsabilização recíproca dos poderes estatais, conforme o desenho institucional dos freios e contrapesos.
É importante lembrar o que ensina Novelino (2012, p. 122): que a Constituição é um sistema normativo aberto de princípios e regras. Princípios são mandamentos nucleares de um sistema jurídico. A Constituição Federal, em seu art. 37 previu que a Administração Pública seria norteada pelos Princípios da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência. Revelam eles as diretrizes fundamentais da Administração, de modo que só se poderá considerar válida a conduta administrativa se estiver compatível com eles (CARVALHO FILHO, 2018, p. 74). Tais princípios são sustentáculo para que haja meios de controle na Administração Pública.
Com efeito, o Princípio da Legalidade, segundo Carvalho Filho (2018, p.74), “é certamente a diretriz básica da conduta dos agentes da Administração. Significa que toda e qualquer atividade administrativa deve ser autorizada por lei. Não o sendo, a atividade é ilícita”. Desse modo, a lei impõe a criação de mecanismos para que haja fiscalização no trato com a coisa pública, tal como órgãos públicos específicos para esse fim, como Tribunais de contas. O professor Moreira Neto (2014, p. 326) comenta a respeito da legalidade:
Ao agir, a Administração está adstrita à rigorosa observância do aspecto objetivo do princípio da legalidade, ou seja, deve sujeitar-se integralmente ao ordenamento jurídico legislado, sem qualquer vantagem, prelazia ou princípio de supremacia que justifique que dele se afaste, ainda que praeter legem, a pretexto de atender a suposto interesse público.
À vista disso, de acordo com a opinião de Moreira Neto, todo e qualquer ato que a Administração Pública praticar devem se conformar com os padrões de existência e validade impostos pelo Ordenamento Jurídico. O sistema de Controle Administrativo obedece ao Princípio da Legalidade, na medida em que fiscaliza e acompanha atos administrativos e os corrige se for o caso.
Por sua vez, sobre o Princípio da Impessoalidade, Di Pietro (2020, p. 225) pondera que exigir impessoalidade da Administração tanto pode significar que esse atributo deve ser observado em relação aos administrados como à própria Administração. Desta maneira, no primeiro sentido, a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear o seu comportamento. Já no segundo sentido, “atos e provimentos administrativos são imputáveis não ao funcionário que os pratica, mas ao órgão ou entidade administrativa da Administração Pública” (DI PIETRO, 2020, p. 225).
O Princípio da Moralidade, por sua vez, “impõe que o administrador público não dispense os preceitos éticos que devem estar presentes em sua conduta” (CARVALHO FILHO, 2018, p. 76). Com relação ao Controle da Administração Púbica, é ético que os administradores prestem contas à sociedade de suas atuações, porque agem como verdadeiros gestores da coisa alheia.
No que diz respeito ao Princípio da Eficiência, Carvalho Filho (2018, p. 84) afirma que “o núcleo do princípio é a procura de produtividade e economicidade e, o que é mais importante, a exigência de reduzir os desperdícios de dinheiro público, o que impõe a execução dos serviços públicos com presteza, perfeição e rendimento funcional”. Ou seja, o Controle feito pela Administração Pública age como um verdadeiro inspetor do Princípio da Eficiência.
Por fim, o Princípio da Publicidade norteia a necessidade de se efetivar os mecanismos de controle dos atos pela Administração Pública. Dispõe Carvalho Filho sobre a Publicidade (2018, p. 80):
Outro princípio mencionado na Constituição é o da publicidade. Indica que os atos da Administração devem merecer a mais ampla divulgação possível entre os administrados, e isso porque constitui fundamento do princípio propiciar-lhes a possibilidade de controlar a legitimidade da conduta dos agentes administrativos. Só com a transparência dessa conduta é que poderão os indivíduos aquilatar a legalidade ou não dos atos e o grau de eficiência de que se revestem.
Assim, na opinião do doutrinador acima citado, podemos determinar que o Controle exercido pela Administração Pública é expressão do Princípio da Separação dos Poderes e também fruto dos Princípios que regem a Administração Pública, previstos na Constituição Federal, como a Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência, razão pela qual possui papel de essencial importância no Estado Constitucional de Direito.
CONCLUSÃO
O Controle da Administração Pública se caracteriza como o poder de fiscalização e correção exercido pelos Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo sobre os atos produzidos por ela, visando aferir a observância das normas administrativas e princípios de regência da Administração Pública, positivados no art. 37 da Constituição Federal.
Este Controle é expressão do Princípio da Separação dos Poderes e decorre, de igual maneira, dos princípios constitucionais, como a Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência. Todos esses princípios, materializados em forma de “Controle da Administração” traduzem um Estado de Direito moral, probo, eficiente, célere, que trata todos os indivíduos de forma igualitária, pautando a sua atuação exclusivamente na lei.
Desse modo, o Estado Constitucional de Direito se baseia nos Princípios acima relacionados porque sua atuação, quando transparente, e quando monitorada e contida, efetiva a Constituição, tendo em vista que todo o Ordenamento Jurídico deve estar de acordo com ela. Poderes do Estado aos quais não se impõem limitações, acabam por se tornarem Poderes Absolutos, negando uma estrutura de regulação de freios e contrapesos. Ou seja, não existe Estado Constitucional sem o Controle dos Atos Administrativos, que é promovido através da Separação dos Poderes e dos Princípios Constitucionais da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência.
REFERÊNCIAS
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 32ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015.
CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 6ª ed. Salvador: Juspodivm 2019.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 32ª ed. Editora Atlas. São Paulo, 2018.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 33ª ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 2020.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 24 ª ed. São Paulo, Saraiva, 2020.
MENDES, Gilmar Ferreira, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 12. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2017.
MARTINS, Flávio. Curso de Direito Constitucional. 4ª ed. São Paulo, Saraiva, 2020.
MOREIRA NETO, Diogo de figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 6ª ed. São Paulo: Método, 2012.
PAULO, Vicente; Alexandrino, Marcelo. Direito administrativo descomplicado. 16.ed. São Paulo: Método, 2008.
MBA Executivo em Gestão Estratégica de Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual; Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Cândido Mendes; Especialista em Direito Penal pela Damásio Educacional e Ibmec; Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Prominas; Especialista em Ciência Política pela UNIBF. Bacharela em Direito pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Professora de Direito Constitucional da Autarquia Educacional do Vale do São Francisco – AEVSF (FACAPE - Faculdade de Petrolina), Advogada.
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